Fica evidente para o leitor que os samaritanos, apesar da discórdia com os judeus durante centenas de anos, ocupam um lugar de respeito por Jesus Cristo, que contou duas parábolas fascinantes que vão mostrar sua evangelização através deste povo. Uma delas é O Bom Samaritano e a outra é a Samaritana e o poço. Ambas são muito  significativas para compreender a missão de Jesus. Fica evidente que sua proposta vai além de um povo, uma nação  e uma raça e se abre para todos os povos do universo.
A parábola começa com a descrição do ambiente onde se realiza o grande encontro: “Os fariseus ouviram falar que Jesus estava fazendo e batizando mais discípulos do que João, embora não fosse Jesus quem batizasse, mas os seus discípulos. Quando o Senhor ficou sabendo disso, saiu da Judeia e voltou uma vez mais à Galileia” Seus apóstolos e discípulos estavam realizando um antigo ritual judaico de lavagem cerimonial com água, assim como fez João Batista e seus discípulos. Este ritual procurava representar a confissão dos pecados  e a necessidade do poder purificador de Deus. Jesus sempre se insere nos sentimentos e na religiosidade de seu povo e nos ensina a respeitar igualmente todos os povos.

O CAMINHO EVANGELIZADOR DE JESUS

No seu caminho, no seu itinerário de evangelizador, Jesus era obrigado a passar pela Samaria para ir para a Galileia. Quando chegou em Sicar, uma das cidades dos samaritanos, passou próximo das terras que Jacó dera a seu filho José. “Havia ali o poço de Jacó. Jesus, cansado da viagem, sentou-se à beira do poço. Isto se deu por volta do meio-dia”. O poço é muito significativo para os povos que vivem em regiões áridas e no deserto, pois acaba sendo um lugar de encontro e de grandes relações humanas. O fato de Jesus ter ido por este caminho foi que, geograficamente, perderiam três dias na viagem e teriam que cruzar o Rio Jordão duas vezes. João, que escreveu detalhadamente a parábola de Jesus Cristo, não coloca nenhum motivo para a ida de Deus Filho naquele local.No entanto com a chegada da samaritana ao poço, a história começa a ter um valor inesquecível de evangelização. Jesus sempre cria situações propícias para suas ações e para promover a evangelização.

Seguindo a narrativa, plena de detalhes, encontramos o princípio do grande encontro. “Nisso veio uma mulher samaritana tirar água. Disse-lhe Jesus: “Dê-me um pouco de água”. (Os  discípulos tinham ido à cidade comprar comida).A mulher samaritana lhe perguntou: “Como o senhor, sendo judeu, pede a mim, uma samaritana, água para beber?”Jesus lhe respondeu: “Se você conhecesse o dom de Deus e quem está pedindo água, você lhe teria pedido e dele receberia água viva”.Disse a mulher: “O senhor não tem com que tirar água, e o poço é fundo. Onde pode conseguir essa água viva?”.
Alguns elementos da descrição são fortemente simbólicos, quer sejam a água, o povo, a samaritana em contraposição com o judeu, o homem que se encontra com a mulher, em tempos em que não havia aproximação pública entre homens e mulheres. Recordamos ainda o detalhe da profundidade do poço, que é muito grande.  De fato, mais uma vez Cristo quebra o protocolo da situação. Nunca um judeu conversaria com uma mulher samaritana, nem mesmo pediria a água, pois para bebê-la Cristo deveria utilizar os utensílios da mulher.

A jornada  do Filho de Deus através deste território hostil tem um sentido muito real, desde o momento que Jesus  mostra que sua  missão é   produzir a paz entre Deus e as pessoas, bem como entre as pessoas e os povos. A realização desse grande propósito começa com os Samaritanos que acabaram se afastando do povo judeu. Houve, por séculos, rejeição e distanciamento mútuos. Cristo quer a união de todos os povos do mundo a começar pelos “vizinhos” que se perderam durante o caminho de retorno da Babilônia. São parceiros de muitos séculos, mas que nos últimos tempos tornaram-se rivais e se desprezam.  São os frutos históricos dos preconceitos.  O chamado de Jesus e a resposta da mulher aproximam os dois povos. É um caminho de conversão.

A VOCAÇÃO DO POVO SAMARITANO

Para entender o significado mais profundo desta passagem evangélica, é preciso conhecer bem a espiritualidade dos samaritanos que tantas vezes estão em confronto com o povo de Jesus. Naquele tempo, existia contra o povo verdadeiro preconceito, difícil de resolver, pois tem raízes históricas. Os estudiosos nos apresentam duas histórias diferentes dos Samaritanos. A primeira história se refere aos Samaritanos Israelitas  e a outra tem a ver com os Judeus Israelitas. Na verdade, existem dificuldades sobre os documentos antigos da polêmica judaico – samaritana, bem como a datação tardia das fontes. Algumas características são importantes e podemos elencar:
Em primeiro lugar, os próprios samaritanos chamavam-se  de Bnei Israel, que quer dizer filhos de Israel.
Consideramos em segundo lugar que os samaritanos eram um grupo que acreditava  preservar a religião original do antigo Israel. O nome samaritano traduzido do hebraico quer dizer “Guardiões”, no caso das leis e das tradições originais. A população samaritana no tempo de Jesus Cristo era praticamente a mesma dos Judeus e incluiu, também,  a grande diáspora. Portanto eram numerosos e muito importantes no cotidiano da antiga Palestina.
A terceira consideração insiste que os samaritanos procuravam direcionar para o seu povo que o centro de adoração de Israel não deveria ter sido o Monte Sião, mas o Monte Gerizim. Os samaritanos acreditavam que Betel (Jacob), o Monte  Moriá (Abraão) e o Monte Gerizim estavam situados no mesmo lugar. Eram as tradições antigas que o povo conservava com grande interesse, pois eram pontos de unidade do povo.

Outros elementos ainda são importantes na concepção dos samaritanos, como por exemplo:
1 – Os samaritanos tinham  um credo quádruplo: um Deus, um Profeta, um Livro e um  Lugar;
2 – Os fieis deste povo secular  acreditavam que os Judeus, que eram os crentes no Deus de Israel situados na Judéia,  erraram seu caminho religioso  no retorno do exílio da  Babilônia.
3 – Os Samaritanos acreditavam que os sacerdotes levitas eram os legítimos líderes  de Israel. Vemos nestas concepções elementos  idênticos aos judeus, mas alguns ensinamentos contraditórios.

A Samaritana continua sua conversa com Cristo e aos poucos  vai diminuindo o seu tom irônico. “Acaso o senhor é maior do que o nosso pai Jacó, que nos deu o poço, do qual ele mesmo bebeu, bem como seus filhos e seu gado?” Interessante que ela continua não entendendo que Cristo é maior do que Pai Jacó, filhos e outros. No entanto, ela é uma das poucas que vai ouvir do próprio Cristo quem Ele é, isso é sua própria identidade. Segue a conversa: Jesus respondeu: “Quem beber desta água terá sede outra vez,mas quem beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede. Ao contrário, a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água a jorrar para a vida eterna”.
Neste ponto, Jesus entra com sua intenção evangelizadora, referindo completamente ao Batismo pela água viva. E ela, ainda sem entender o significado exato do batismo, vai fazer mais uma pergunta para dar sequência ao  diálogo vocacional. A mulher lhe disse: “Senhor, dê-me dessa água, para que eu não tenha mais sede, nem precise voltar aqui para tirar água”.

PASSOS DA VOCAÇÃO DA MULHER SAMARITANA

Na evolução da conversa, a mulher samaritana parece materializar tudo o que Cristo fala- a água para ela não é espiritual e sim material. Não precisaria mais retornar ao poço para buscar água; bastaria apenas tomá-la uma vez. Os historiadores encontram inúmeras metáforas para esta parábola. Entre estas metáforas, fala-se do horário em que a mulher foi buscar água.
Nas suas apreciações, os estudiosos observam em suas críticas, que uma mulher iria  buscar sua água no início do dia ou no final da tarde, mas nunca
ao meio – dia. Uma mulher sozinha somente iria durante o dia, se  quisesse ser vista pela população. De fato, como se percebe, ela vivia uma vida bem complicada, tendo tido cinco maridos e o último que era não era seu esposo. Numa cidade pequena e sendo os samaritanos bem rigorosos em seus comportamentos, provavelmente ela não seria bem vista na comunidade.

Após a interação acima, que bate em  uma corda familiar para o cristão que experimentou o poder de dar vida pela presença de Jesus e da renovação espiritual, Jesus continua a conversa. Jesus deixa a mulher Samaritana, sem nome, saber que Ele entende seus problemas mais profundamente do que ela pensa, mostrando-lhe que Ele está ciente de toda a dor e sofrimento que ela passou em sua vida.
“Disse-lhe: Vai, chama o teu marido e volte.“Eu não tenho marido”, ela respondeu. Jesus disse-lhe: “Você tem razão quando diz que não tem marido. O fato é que tiveste cinco maridos, e o homem que você tem agora não é seu marido. O que você acabou de dizer é verdade.”Disse a mulher: “Senhor, vejo que é profeta”.

Quando Jesus mostra-lhe que sabe tudo sobre ela, ela muda o tom. De fato, a mulher reconhece que ele não é apenas um homem que está lhe fazendo perguntas, mas sim um profeta, porque sabe tudo sobre ela. No seu simples conhecimento, ela retorna com argumentos mais complexos. A mulher disse em seguida: “Nossos antepassados adoraram neste monte, mas vocês, judeus, dizem que Jerusalém é o lugar onde se deve adorar”.

O SIM DA SAMARITANA

Aos poucos se inicia o processo de sua resposta vocacional. Os dois interlocutores passam a compreender suas intenções: o chamado de Jesus à conversão e a acolhida da samaritana. Este é o caminho vocacional.  Jesus declarou: “Creia em mim, mulher: está próxima a hora em que vocês não adorarão o Pai nem neste monte, nem em Jerusalém.Vocês, samaritanos, adoram o que não conhecem; nós adoramos o que conhecemos, pois a salvação vem dos judeus.O despertar vocacional se aproxima sempre mais e começa sua realização. Jesus abre o coração da mulher e ela responde sim ao seu chamado à conversão. Este é o momento de mudar de vida e seguir Jesus e seus ensinamentos. Jesus continua a apresentação de seu projeto.
Ele vai precisando sua proposta:
No entanto, está chegando a hora, e de fato já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. São estes os adoradores que o Pai procura.Deus é espírito, e é necessário que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade”.Disse a mulher: “Eu sei que o Messias (chamado Cristo) está para vir. Quando ele vier, explicará tudo para nós”.Então Jesus declarou: “Eu sou o Messias! Eu, que estou falando com você”.

Está realizado seu convite e apresenta sua pessoa, aquele que a samaritana deve seguir. Não se trata simplesmente de um profeta, pois Jesus é muito mais que um profeta. Ele é o Messias e ela é convidada a participar de seu projeto messiânico. Naquele momento, os seus discípulos voltaram e ficaram surpresos ao encontrá-lo conversando com uma mulher. Mas ninguém perguntou: “Que queres saber?” ou: “Por que estás conversando com ela? “Então, deixando o seu cântaro, a mulher voltou à cidade e disse ao povo: “Venham ver um homem que me disse tudo o que tenho feito. Será que ele não é o Cristo?”Então saíram da cidade e foram para onde Ele estava”.
Ela acaba levando os habitantes da cidade e Cristo os evangeliza. Ela, que certamente tinha um padrão de vida muito diverso dos demais, subentende-se que ela como os demais foram resgatados por Cristo em sua evangelização. Este é o caminho vocacional primordial de Jesus. Ele vem ao nosso mundo, como veio ao mundo da samaritana e chama à conversão, ao seguimento. A samaritana seguiu a voz de Jesus e sua vida se transformou.

Pe. Antônio S. Bogaz – Prof. João Henrique Hansen

Co-autores: A praça da dádiva. Editora Fontes: São Paulo, 2018